Você não sabe o quanto nosso encontro mexeu comigo. Não sei, ainda, dizer ao certo onde me “pegou” sua história.
O que sei é que nossa conexão foi rápida. Você mesma me disse que se abriu comigo como nunca havia feito com ninguém.
Já no começo da nossa conversa, depois que me apresentei e me sentei ao seu lado, você chorou. Contou ser enfermeira. Ter dois filhos médicos. Disse estar cansada e saber que o fim estava próximo. Contou dos sonhos com sua mãe, falecida, vindo te buscar. Falou de não poder assumir que não queria mais tratamentos para não decepcionar seus filhos. Pedi sua autorização para falar com eles sobre nossa conversa e tentar sensibilizá-los um pouco para que, quem sabe, conseguissem respeitar a SUA vontade. Você me deu essa autorização e assim o fiz.
Seus filhos durante a conversa não me olhavam nos olhos. Choravam, mas escondiam esse choro. Apegaram-se à esperança dada por um profissional de um tratamento X, mesmo diante de grande perda funcional, de doença avançada e de complicações dessa doença. Tudo para poder ter uma “última chance” – não se perdoariam se não tentassem.
Quando conversei com você de novo, sua postura foi outra. Preocupada, me perguntou: “nossa conversa mudou o plano de tratamento? Me esqueci de que tudo que falamos tem consequências”.
Confesso que me senti sem chão nesse momento. Fantasias povoaram minha cabeça de que você havia sido pressionada e mudado de ideia; senti revolta por não conseguir te ajudar a bancar o seu desejo e corri atrás pra tentar mostrar pra todo mundo que esse caminho escolhido seria de muito sofrimento; e sofrimento desnecessário.
Quando conversamos juntos, eu, você, seus filhos e seu companheiro, falando abertamente sobre tudo, você permaneceu de olhos fechados. Não estava dormindo, não estava sonolenta. Estava escolhendo estar assim. Eu cheguei a me vulnerabilizar ao contar um pouco da minha angústia desde nossa primeira avaliação e de um certo sentimento de desconforto por não conseguir fazer você ser ouvida. Deliberamos sobre as possibilidades dos caminhos a serem trilhados. Seus filhos continuaram irredutíveis na tentativa de tratamento. Perguntei então a você e, sem abrir os olhos ou mudar a expressão do rosto, disse: “vamos seguir o fluxo”. Pedi que fosse mais clara e dissesse se gostaria de tentar o tratamento e você respondeu: “tenho que tentar”. Logo depois balbuciou “não queria fazer vocês sofrerem….”.
Naquele momento, te olhando de olhos fechados, resignada, entendi. Meu coração se acalmou. Era por eles. Pelos seus filhos. Você estava passando por cima de você mesma para que seus filhos não carregassem uma culpa (que não deveriam mesmo carregar) de não ter tentado. Entendi; legitimei e pensei: será que eu não faria o mesmo pelas minhas filhas??
Me arrependi de ter naquele primeiro momento tentado te dar voz, porque pareceu que isso bloqueou nossa conexão. Mas ao mesmo tempo, sei que se eu não tivesse tentado não estaria em paz.
Eu espero, do fundo da minha alma, que seu sofrimento seja curto. Ou que, quem sabe, aquele médico esteja certo, eu esteja errada e você apresente alguma resposta ao tratamento, tendo mais tempo com seus filhos.
De fato, nosso encontro foi honroso para mim.
Obrigada por me mostrar esse amor grande e bonito, capaz de suportar.
Um apertado abraço, que não tive a oportunidade de te dar.
Manon
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